SITUAÇÃO
Oh, desculpe, não vi você aí, ela disse com graça e um sorriso fácil nos lábios enquanto tropeçava nele, que estava jogado no chão da sala, sem camisa, de barba crescida, com o olhar fixo em algum nada. Fazia pouco da tragédia, a que se anunciava em tanto silêncio. Ele não respondeu. Assistindo à cena, ninguém diria que se amavam e que faltariam dedos para contar há quantos anos, e se amavam, se amavam como os vizinhos, os amigos, os colegas de trabalho, os parentes e os ex-namorados nunca julgariam possível, como se não houvesse mais nada a fazer com o tempo que lhes restava de vida. Se amavam, se amavam por não saberem mais como não se amarem, como se o amor rendasse o olhar e, inescapável, viciasse como pó, se amavam como se o fim não fosse chegar, ou como se por tanto se amarem não tivessem medo do fim. Se amavam, e seria de mãos dadas que se assistiriam morrer. E morriam, morriam mais rápido do que era capaz o amor, com a dureza do cansaço e do suor e das lágrimas, morriam juntos, a cada instante mais calados e mais separados e mais e sempre imersos em seus próprios amores. De mãos dadas, imaginando um outro jeito, um dia mais leve, uma vida com outras escolhas e menos amor.