PERFUME
Busquei formas de pasteurizar o meu amor.
É evidente que não as encontrei.
Mas esse é apenas mais um fracasso. Há muito que surpreendo-me pouco com as minhas próprias limitações, e há muito que não há nada de novo em sentir saudade.
Evito a repetição contando algo que penso ser inédito: evito-a contando da manhã em que andava apressado pela rua e pensava em absolutamente todas as coisas do mundo e um estranho que passou por mim – imerso em qualquer coisa que não fosse eu – tornou o ato involuntário de existir irremediavelmente triste, sem me notar, triste, triste.
Ele usava o seu perfume, e isso bastou para que eu o seguisse, sem pensar, por sete quarteirões.
Por sete quarteirões, segui um desconhecido, aproximando-me aos poucos e cada vez mais, alheio ao desvio, às horas, aos carros e ônibus e pedestres, à vida que não espera, aos amores que se despedem, às horas.
Segui um desconhecido porque reconheci nele o seu perfume, do qual nem o nome sei, e a bêbada lembrança do cheiro adocicado pareceu, naquele momento, ser tudo o que me restava de você.
Quis gritar o seu nome.
Mas foi em silêncio que dei fim à perseguição observando o estranho encontrar quem esperava por ele em uma esquina calma daquelas ruas tão movimentadas nas primeiras horas da manhã, e os dois se abraçaram ao lado de um canteiro ofensivo de flores quase roxas e seguiram o percurso juntos e vestidos de alegria.
Não lembro de quanto tempo demorei para fazer o caminho de volta.
Da mesma forma, não me lembro qual o nome daquele perfume, daquele delicioso e traiçoeiro perfume, e seria hoje incapaz de descrevê-lo ainda que disso me dependesse a vida. Mas basta uma inspiração para que meus pulmões, tão cruéis em sua inocência, comuniquem cada parte esquecida do meu corpo cheio de defeitos de que nosso amor deixou de ser um passado distante e voltou a perfumar os dias.
Mas já me cansei de falar em saudade.